Pronto-Socorro

Há espaço para trombólise pré-hospitalar para Síndrome Coronaria Aguda com supradesnivelamento do segmento ST (SCACSSST)?

O uso de fármacos fibrinolíticos para tratamento de SCA com supra do ST já faz parte do arsenal médico há mais de 30 anos.
Sabemos que o seu benefício é tão maior quanto mais precoce for feito seu uso, com resultados muito bons quando feitos dentro das primeiras 3-6 h após o inicio dos sintomas, mas tolerado até 12 h após (veja na figura abaixo):
O sistema de atendimento pré-hospitalar brasileiro – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (S.A.M.U.) – consta de dois tipos de unidade de intervenção, Unidades de Suporte Básico (USB), ambulância composta por motorista-socorrista (MS) e técnico de enfermagem (TE) e as Unidades de Suporte Avançado (USA), ambulância tipo UTI composta por MS, enfermeiro e médico. Essas unidades são coordenadas por Centrais de Regulação para onde são direcionadas as chamadas 192 e, a depender do tipo de ocorrência, o médico regulador define qual tipo de unidade a ser enviada. *
Apesar de cobertura ainda precária a nível nacional, sobretudo no interior do País, é inegável o aumento da oferta de serviços pré-hospitalares de urgência nos últimos anos. A importância disso, em se tratando de IAM, é o conceito de que ‘tempo é miocárdio’ e, sendo assim, quanto menor o tempo entre o início dos sintomas e o atendimento da equipe de saúde melhor.
O tempo habitual de um paciente iniciar seus sintomas até a chegada ao hospital fica em torno de 3-4h. Isso ocorre por diversos motivos: desconhecimento da população de sinais/sintomas de IAM (idosos e baixo nível socioeconômico), pessoas que moram em áreas rurais ou periféricas sem acesso rápido a serviços hospitalares, o tempo de deslocamento até chegar no estabelecimento de saúde.
Além disso, não basta chegar ao hospital. Uma vez dentro do Pronto-Socorro ainda há vários estágios em que poderemos ter atraso na terapia final do IAM com Supra:
– registro do paciente e triagem
– fazer o atendimento clínico e o ECG 12 derivações
– conseguir maca com monitorização do doente
– eventualmente a necessidade de consulta a centro com cardiologista para definição de conduta ( isso é comum em PS ou UPAs que contam com programas de telecardiologia)
– tempo de preparo da medicação
A realização da terapia fibrinolítica ainda antes da chegada ao hospital diminui o tempo de isquemia e acaba por diminuir complicações a curto, médio e longo prazo. Além disso, estudos de farmacoeconomia, demonstram que a mesma pode, inclusive, baratear o custo de tratamento desses pacientes, quando comparados a fibrinólise intra-hospitalar, conforme dados de estudo nacional publicado em 2008, que demonstrou economia de 176 reais por paciente.
Grandes estudos tem mostrado a segurança do uso da fibrinólise ainda no pré-hospitalar. O ganho médio de tempo é 1 hora, resultando numa
queda de 17% na mortalidade ou 21 vidas salvas por
1.000 pacientes tratados.
PRÉ-REQUISITOS

Ambulância tipo UTI móvel, portanto com médico a bordo, com possibilidade de realizar:

– ECG 12 derivações
– Monitorização eletrocardiográfica continua
– Capacidade de transmissão para centro de cardiologia de referência para discussão do ECG ( recomendável, mas não obrigatório )
– Checklist individual contendo as contra-indicações que deve ser anexado a ficha de atendimento médico ( veja aqui )
– Monitorização de pressão-arterial, frequência cardíaca e oximetria de pulso.
– Cardiodesfibrilador funcionante
– Medicações para uso em caso de PCR
– Deve-se haver um fluxo específico para que esses pacientes sejam direcionados para hospital de referência em cardiologia com disponibilidade de realização de angioplastia 24h.
– Dados sobre os desfechos clínicos dos doentes e outros parâmetros devem ser atualizados periodicamente para fins de avaliação do programa.
Nesse contexto, o fármaco de escolha é a tenecteplase (TNK), pelo fato de sua administração ser feita em bolus de 5-10 segundos.
Para mais detalhes sobre a realização da trombólise clique aqui
* Essa é uma visão bem básica do como funciona o sistema. A depender da região, há outras modalidades de serviço, como as motolâncias, as ambulanchas e até mesmo unidades intermediárias com enfermeiro, mas sem o médico. O SAMU também não é a única unidade de socorro pré-hospitalar, podendo dividir essa função com outros serviços, tais como: Polícia Militar, Unidades de resgate do Corpo de Bombeiros e outras unidades, como o GRAU ( Grupo de Resgate e Atendimento a Urgências). Não é o foco desse post entrar nesse detalhamento.

Leitura sugerida:

Performance of prehospital fibrinolysis. Uptodate.com/online acesso em set/2015
Prehospital fibrinolysis (thrombolysis) for suspected acute ST elevation myocardial infarction. Uptodate.com/online acesso em set/2015
V Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do
Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST. Arq Bras Cardiol. 2015; 105(2):1-105. Disponível aqui
Araujo, DV e cols. Custo-efetividade da trombólise pré-hospitalar vsintra-hospitalar no infarto agudo do miocárdio.Arq. Bras. Cardiol. v.90 n.2 São Paulo fev. 2008 Disponível aqui

Sobre o Autor

Daniel Valente

Médico com residência médica em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC-FMUSP). Especialista em Ecocardiografia pelo InCor-HC-FMUSP e pelo Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DIC-SBC). Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Serviço de Ecocardiografia da ONE Laudos.

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