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Orientações essenciais ao seu paciente portador de Marca-Passo Cardíaco

Muitos médicos e profissionais de saúde, quando se deparam com um paciente portador de um Dispositivo Cardíaco Eletrônico Implantável ou DCEI – termo mais geral que inclui Marca-Passos, os Cardiodesfibriladores implantáveis (CDI), Ressincronizadores Cardíacos e dispositivos combinados -, não se sentem seguros em fornecer orientações a respeitos de restrições a atividades comuns à vida em sociedade, que são frequentemente objeto de questionamentos na consulta. Mesmo cardiologistas experientes podem desconhecer as recomendações formais das sociedades médicas quanto ao assunto, e muitas vezes fornecem orientações baseadas no bom senso.

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As perguntas mais frequentes que surgem são:

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1) O paciente portador de DCEI pode ter contato com aparelhos eletrodomésticos ou detectores de metal em bancos ou aeroportos?

2) O paciente portador de DCEI pode dirigir?

3) O paciente portador de DCEI pode praticar esportes?

4) O paciente portador de DCEI por realizar Ressonância Magnética?

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Vamos responder às perguntas acima, baseado em evidências de diretrizes nacionais e internacionais, de forma que este assunto fique bem claro. Vamos lá:

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1) O paciente portador de DCEI pode ter contato com aparelhos eletrodomésticos ou detectores de metal em bancos ou aeroportos?

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As interferências sobre os DCEI são conhecidas há muito tempo, desde a década de 1960. Por definição, uma “interferência” é todo e qualquer estímulo não fisiológico que pode afetar o funcionamento normal do aparelho (no caso de um portador de MP, a interferência pode gerar episódios de oversensing e inibição da estimulação, mudanças no modo de estimulação, aumento da frequência cardíaca por estímulo inadvertido do sensor, etc. No caso do portador de CDI, terapias inapropriadas ou modificações na programação das terapias).

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De maneira simplificada, as interferências podem ser classificadas em mecânicas (trauma direto contra o gerador, por exemplo) ou eletromagnéticas (corrente elétrica direta ou contato com campos eletromagnéticos próximos).

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Como as interferências mecânicas são mais intuitivas, discutiremos aqui justamente as chamadas “Interferências Eletromagnéticas” (aqui abreviadas como IEM), que podem gerar danos transitórios ou permanentes aos DCEI, dependendo do tempo, tipo e intensidade da exposição.

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Todos os seres humanos estão diariamente expostos a quantidades variáveis de campos eletromagnéticos ou correntes elétricas, tanto no ambiente extra-hospitalar quanto no intra-hospitalar. O gerador do dispositivo e as barreiras de pele/músculo são por si só uma proteção a estes campos, no entanto, alguns ainda passam e podem gerar disfunções nos aparelhos.

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A Diretriz Brasileira de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis (2009) classifica as IEM conforme o risco de real interferência com os DCEI:

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1) Aceitável: eletrodomésticos em geral, fenômenos eletrostáticos, escadas rolantes e portas automáticas, automóveis, ônibus, motocicletas e aviões

2) Aceitável com riscos: colchões magnéticos e mini-imãs, telefones celulares, telefones sem fio, bluetooth, wifi, ipods e similares, sistemas antifurto e detectores de metal, torres de transmissão de energia elétrica. Uso de aparelhos que produzem vibração mecânica (escovas elétricas, barbeadores, furadeiras, cortadores de grama), secador de cabelo. Procedimentos medico-odontológicos como uso de eletrocautério, radiação terapêutica, cardiodesfibrilação externa, procedimentos de ablação e mapeamento eletroanatômico magnético, eletroacupuntura, neuroestimulação transcutânea, aparelhos de diatermia dental, litoripsia extracorpórea (interferência pelas ondas de choque).

3) Inaceitável: Ressonância Nuclear Magnética* e medidores de gordura corporal

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Qual a recomendação?

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1) Aceitável: sem recomendações específicas, exceto se certificar de que o aparelho não apresenta mal funcionamento e que está devidamente aterrado.

2) Aceitável com riscos: evitar contato prolongado e próximo.

  • Telefones celulares: distância ideal de 15 cm do aparelho; não devem ser portados no bolso superior da camisa ou casaco (implante torácico) ou na cintura (implante abdominal).
  • Torres de transmissão elétrica: perímetro de segurança de 4 metros.
  • Detectores de metais: evitá-los ou se extremamente necessário, ultrapassá-los rapidamente
  • Barbeadores e escovas elétricas: uso pode deflagrar atividade do sensor de movimento. Nos pacientes com sensor ligado, deve-se fazer uso com atenção para eventuais aumentos da frequência cardíaca
  • Eletrocautério: requer mudança para o modo assíncorono antes do procedimento. Preferência de bisturi ultrassônico e pelos cautérios bipolares, com aplicações intermitentes e pulsos de curta duração. Deve-se evitar colocar as pás próximo do marca-passo.
  • Desfibrilação externa: 15cm de distância das pás para o aparelho em sentido perpendicular ao do dispositivo. Se possível, programa o aparelho antes para modo assíncrono e desligar as terapias (no caso do CDI)
  • Eletroacupuntura e Neuroestimulação transcutânea: devem ser evitados na região torácica, no membro superior homolateral ao gerador e em sistemas com sensibilidade unipolar.
  • Litoripsia: O gerador não deve estar sob o foco da onda de choque. Idealmente, deve-se programar o gerador em modo assíncrono bipolar antes do procedimento

3) Inaceitável: discutiremos melhor sobre a Ressonância Nuclear Magnética durante a resposta da pergunta 4.

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Vale ressaltar que muitas dessas recomendações não se baseiam em estudos randomizados e, apesar de sugeridas pela Diretriz, carecem de evidência científica de qualidade. Hoje em dia, com cabo-eletrodos bipolares e com aparelhos eletrodomésticos cada vez mais modernos, a IEM a ponto de gerar disfunção significativa no DCEI é rara e habitualmente sem implicação clínica. O risco é sempre um pouco maior em portadores de CDIs que Marca-passos.

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Além disso, é sempre importante os profissionais de saúde envolvidos no cuidados o paciente portador de DCEI estarem cientes da profissão do paciente, do local e do ambiente de trabalho, a fim de prever eventuais IEM presentes no ambiente ocupacional. Eletricistas e mecânicos de motor, por exemplo, tem uma chance maior de apresentar tais interferências.

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Qualquer dúvida a mais, procure um profissional especialista no assunto para análise caso-a-caso.

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2) O paciente portador de DCEI pode dirigir?

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A decisão de liberar ou não um paciente portador de DCEI para direção veicular envolve questões éticas e sociais. A tomada de decisão deve levar em conta, de um lado, o risco do indivíduo ter um comprometimento agudo da consciência que possa interferir na capacidade de dirigir, e do outro, o seu direito de ir e vir firmado por lei.

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Pra quem não sabe, existe uma Diretriz Brasileira para Direção Veicular em Portadores de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis e Arritmias Cardíacas, publicada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia em 2012. As recomendações dessa diretriz servem de base legal e teórica para recomendações. As tabelas abaixo resumem estas recomendações:

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Recomendações para MP e TRC quanto à direção veicular

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Recomendações para CDI quanto à direção veicular

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Observem que existe contraindicação à direção veicular profissional para portadores de CDI e para a maioria dos Ressincronizadores Cardíacos.

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3) O paciente portador de DCEI pode praticar esportes?

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A prescrição de atividade física e a liberação para prática de esportes em um indivíduo portador de DCEI devem levar em conta dois fatores principais: o risco de trauma ou interferência mecânica no aparelho e o risco de funcionamento inapropriado do aparelho, gerando repercussões ao paciente.

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A 36a Conferência de Bethesda discorre sobre os esportes competitivos autorizados para indivíduos portadores de DCEI:

  • Não é indicada a prática de esportes com risco de trauma direto ao aparelho, como: Rugby, Futebol Americano, Boxe, Artes Marciais, Hóquei e Lacrosse.
  • Outros esportes, como Futebol, Basquete, Beisebol e Softbol, a prática pode eventualmente ser liberada, porém é sugerido um item protetor sobre o dispositivo, a ser posicionado antes da prática do exercício, de modo que se evite trauma direto.
  • Portadores de CDI, se não tiverem tido terapias nos últimos 6 meses, podem engajar em esportes do grupo IA da Classificação da Conferência de Bethesda (ou seja, que requerem < 40% do VO2 máx e baixo componente estático): Bilhar, Boliche, Cricket, Curling, Golfe.

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A prescrição de atividade física nesta população de paciente deve ainda incluir algumas medidas de segurança. É recomendado que:

  • Portadores de CDI acompanhem a frequência cardíaca de maneira confiável durante toda a atividade física, de forma a manter a FC máxima atingida abaixo da zona de terapia em pelo menos 15-20 batimentos a fim de evitar eventuais terapias inapropriadas.
  • Portadores de marca-passo com pacing atrial elevado, que se certifiquem de que o sensor de frequência está ligado e funcionante, idealmente com um teste ergoespirométrico prévio para confirmar o funcionamento adequado deste sensor.
  • Demais recomendações para avaliação pré-participação em atividade física na população geral também se encaixam nesses indivíduos, que muitas vezes são portadores de múltiplas comorbidades.
  • Presença de um profissional capacitado acompanhando o andamento da atividade física.

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4) O paciente portador de DCEI por realizar Ressonância Magnética?

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Acompanhe o próximo post do Temas em Cardiologia, que abordará este assunto na íntegra!

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Referências

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1) Martinelli Filho M, Zimerman LI, Lorga AM, Vasconcelos JTM, Rassi A Jr. Guidelines for Implantable Electronic Cardiac Devices of the Brazilian Society of Cardiology. Arq Bras Cardiol 2007; 89 (6): e210-e238

2) Fenelon G., Nishioka S.A.D., Lorga Filho A, Teno L.A.C., Pachon E.I., Adura F.E. e cols. Sociedade Brasileira de Cardiologia e Associação Brasileira de Medicina de Trafego. Recomendações Brasileiras para direção veicular em portadores de dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEI) e arritmias cardíacas.

3) B.J. Maron, D.P. Zipes. 36th Bethesda Conference: eligibility recommendations for competitive athletes with cardiovascular abnormalities. J Am Coll Cardiol, 45 (2005), pp. 2-64

Sobre o Autor

Rodrigo M. Kulchetscki

Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Paraná. Residência Médica em Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e em Cardiologia Clínica pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HCFMUSP).
Atualmente é Fellow em Arritmia, Eletrofisiologia e Estimulação Cardíaca Artifical na mesma instituição.

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